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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Islã e o princípio de igualdade






A contextualização da revelação do Islã informa sobre o conteúdo revolucionário de sua mensagem quanto às relações sociais de sexo desiguais, existentes na península arábica do sétimo século da era gregoriana. Essas relações, remanescentes da mentalidade patriarcal e da organização tribal e escravagista da época, relegavam as mulheres ao status de mercadoria, fazendo parte do patrimônio de seu marido e de seus herdeiros. Outras práticas desvalorizantes para as mulheres eram costumeiras na sociedade árabe da época, como a poligamia, que não conhecia nenhuma restrição quanto ao número de esposas, o que dependia unicamente da fortuna e statussocial do homem, ou o repúdio, o casamento forçado, a privação do direito à herança e a escravidão.
A liberação do ser humano – seja ele homem ou mulher – por um lado, de todo tipo de escravidão ou subjugação e, por outro, a reconstrução de relações sociais sobre bases igualitárias, são a base do projeto social inaugurado pela mensagem corânica.
O princípio igualitário encontra seus fundamentos no próprio conceito da unicidade de Deus: "Não existe Deus senão Deus", "Nenhum Deus fora de Deus". Essa afirmação constitui uma referência existencial que carrega em si todas as aspirações e/ou reivindicações pela igualdade dos humanos diante de um só Deus, sem nenhum tipo de intermediação. É uma referência liberadora que leva os humanos à sua origem comum:
Humanos, Nós vos criamos de um macho e de uma fêmea. Se de vós fizemos povos e tribos, é graças ao seu conhecimento mútuo. O mais digno aos olhos de Deus é aquele que mais se precavê.
Dessa referência à origem comum da humanidade com relação aos "humanos", sem distinção entre homens, mulheres e raças, derivam-se alguns princípios fundadores das relações sociais construídos pelo Islã:
– A igualdade dos seres humanos supõe a abolição de todo tipo de dominação ou de discriminação através do sexo, raça, cor, riqueza ou classe; cada ser humano é valorizado somente pelo mérito de sua compaixão e de suas boas ações.
– A diversidade dos seres humanos é uma fonte de paz e de enriquecimento, geradora de respeito pelo outro e de não violência contra eles, uma vez que lhes é recomendado estabelecer um reconhecimento mútuo, no sentido intelectual e espiritual do termo.
– Os seres humanos, enquanto representantes de Deus na terra, são iguais em sua responsabilidade pela vida na terra, o respeito pelas outras criaturas e a preservação do ambiente.
Essa abordagem igualitária encontra-se nos versículos corânicos e os hadiths relativos às relações específicas no interior do casal. É significativo que a quarta sura intitulada "as Mulheres", que contém a maior parte das prescrições relativas à vida familiar, abre-se com a idéia da origem comum do homem e da mulher que é "alma única" (nafs)2, logo aconselhando uma atitude defensiva contra uma agressão eventual sofrida ou temida:
Ó homens! Temei a vosso Senhor, Que vos criou de uma só pessoa e desta criou sua mulher, e de ambos espalhou pela terra numerosos homens e mulheres. E temei Allah, em nome de quem vos solicitais mutuamente, e respeitai os laços consangüíneos. Por certo, Allah, de vós, é Observante.3
Um outro versículo descreve os sentimentos de amor e afeição que devem reinar nas relações entre os cônjuges:
Entre Seus desígnios que Ele criou para vós, esposas, a partir de vós próprios, para que ao lado delas vós encontrásseis o apaziguamento; pois Ele está entre elas e vós deveis estabelecer afeição e misericórdia.
A tradição do profeta foi igualmente portadora de um projeto de transformação social profunda. O profeta iniciou, com suas palavras e sua prática cotidiana, a reconstrução das relações entre os sexos sobre uma base igualitária: "as mulheres são as irmãs uterinas dos homens diante das leis" diz ele num hadith. Ele dizia num outrohadith que percebia no fato do homem aplicar-se às tarefas caseiras, um ato pedagógico de humildade e de reeducação, apropriado para combater a vaidade masculina, e dava ele mesmo o exemplo assumindo diferentes tarefas dos cuidados da casa, reservadas tradicionalmente às mulheres e consideradas como aviltantes para um homem.
Essa abordagem constituía para a época uma reviravolta na distribuição dos papéis estabelecidos socialmente e uma tomada de consciência da separação erigida entre o espaço público e o privado. Aliás, as mulheres muçulmanas da época em que vivia o profeta investiram no espaço público em todos os seus setores: a mesquita, lugar do saber e de tomadas de decisão, o souk, lugar de trocas econômicas e sociais, e participavam da vida política e das guerras para defender a comunidade.
Esses ensinamentos muito ricos em termos de respeito e dignidade para as mulheres não foram, infelizmente, traduzidos pelos diferentes intérpretes de textos sacros nas normas jurídicas dos quais eles foram deduzidos. Ainda pior, algumas prescrições corânicas liberadoras para a época, foram desviadas de suas finalidades e interpretadas com um sentido opressivo. Esse é o caso com a poligamia, com a dissolução do laço conjugal, e da herança, tomando somente estes três exemplos constantemente evocados para criticar a condição das mulheres no Islã.




Por: Simei Miranda de Jesus

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