Elas ainda sofrem, mas a culpa não é apenas da religião
| POR TRÁS DOS VÉUS: garota olha entre mulheres afegãs com burcas | 
        A lista de horrores já soa, a esta altura, familiar. Meninas proibidas 
        de ir à escola e condenadas ao analfabetismo. Mulheres impedidas 
        de trabalhar e de andar pelas ruas sozinhas. Milhares de viúvas 
        que, sem poder ganhar seu sustento, dependem de esmolas ou simplesmente 
        passam fome. Mulheres com os dedos decepados por pintar as unhas. Casadas, 
        solteiras, velhas ou moças que sejam suspeitas de transgressões 
        - e tudo o que compõe a vida normal é visto como transgressão 
        - são espancadas ou executadas. E por toda parte aquelas imagens 
        que já se tornaram um símbolo: grupos de figuras idênticas, 
        sem forma e sem rosto, cobertas da cabeça aos pés nas suas 
        túnicas - as burqas. Quando o Afeganistão entrou no noticiário 
        por aninhar os terroristas que bombardearam o World Trade Center e o Pentágono, 
        essas cenas de mulheres tratadas como animais voltaram a espantar o Ocidente. 
        Elas viviam em regime de submissão absoluta havia muito tempo, 
        mas a situação ficou ainda pior desde que a milícia 
        Talibã tomou o poder no país, em 1996. 
O cenário 
        de Idade Média não era uma prerrogativa afegã. Trata-se 
        de uma avenida permanentemente aberta aos regimes islâmicos que 
        desejem interpretar os ensinamentos do Corão a ferro e fogo. A 
        isso se dá o nome de fundamentalismo. Há países de 
        islamismo mais flexível, como o Egito, e outros de um rigor extremo, 
        como a Arábia Saudita. Para o pensamento ortodoxo muçulmano, 
        a mulher vale menos do que o homem, explica Leila Ahmed, especialista 
        em estudos da mulher e do Oriente Próximo da Universidade de Massachusetts, 
        nos Estados Unidos. "Um 'infiel' pode se converter e se livrar da 
        inferioridade que o separa dos 'fiéis'. Já a inferioridade 
        da mulher é imutável", escreveu Leila num ensaio sobre 
        o tema, em 1992. 
Por trás 
        dessa situação há uma ironia trágica. A exclusão 
        feminina não está presente nas fundações do 
        islamismo, mas apenas no edifício que se erigiu sobre elas. O Corão, 
        livro sagrado dos muçulmanos, contém versículos dedicados 
        a deixar claro que, aos olhos de Alá, homens e mulheres são 
        iguais. O mais importante deles é o que está reproduzido 
        nesta página. Ele mostra que Deus espera a mesma fidelidade de 
        ambos os sexos, e que a premiará de forma idêntica. O Corão 
        é o mandamento divino, e não uma interpretação 
        qualquer da vontade de Deus. Como se explica, então, que idéias 
        tão avançadas tenham se perdido, para dar lugar a Estados 
        religiosos em que as mulheres têm de viver trancafiadas e cobertas 
        por véus, em pleno século XXI? As respostas têm de 
        ser buscadas muito longe, no próprio nascimento do Islã. 
Referências: Revista Veja.com
Por: Juliana Machado Rocha 
 
 
 

